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Gabriel Strautman

Banco do Sul: 90 dias de silêncio


por Gabriel Strautman

25 de marzo de 2008

*_Banco do Sul: 90 dias de silêncio_*

Gabriel Strautman[*]

No ato de fundação do Banco do Sul, realizado em Buenos Aires no dia 09
de dezembro de 2007, os presidentes dos países membros do banco
determinaram um prazo de 60 dias para que a estrutura e as diretrizes da
nova instituição financeira multilateral sul-americana fossem definidas.
Na prática, se buscava estabelecer um limite para que as divergências
entre os membros sobre o papel do banco fossem resolvidas. No entanto,
no dia 09 de fevereiro, um sábado, o prazo se esgotou sem que houvesse
avanços. De lá pra cá, passados mais de 90 dias, nenhum governo se
pronunciou a respeito e a mídia conservadora, que sempre tratou o tema
com preconceito, buscando associá-lo automaticamente a um movimento de
expansão do projeto bolivariano pela América do Sul sem sequer
avaliá-lo, não questionou. Porém, é preciso prestar atenção às
informações contidas em todo esse silêncio, pois o esvaziamento do
debate consolida algumas posições neste conflito.

Desde o primeiro momento, a iniciativa de criação de uma instituição
financeira multilateral na América do Sul esteve associada à idéia da
construção de uma nova arquitetura financeira regional e à busca por
alternativas às instituições financeiras multilaterais (IFM) controladas
pelos países do norte, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Este debate
só foi possível graças à concentração de elevados níveis de reservas
internacionais nas economias da região, o que motivou a discussão sobre
como impedir a saída destes recursos e como injetá-los na esfera
produtiva destas economias. A idéia era, portanto, a criação de um banco
de fomento sul-americano, que centralizasse as poupanças da região e as
convertesse em investimentos produtivos, reduzindo a vulnerabilidade da
região com relação aos ciclos da economia internacional. Estaríamos,
pois, estabelecendo as bases de um verdadeiro sistema financeiro
autônomo, que contribuiria para a redução das assimetrias de poder entre
os países da região ao mesmo tempo em que anularia a dependência dos
mesmos com relação aos fluxos internacionais do capital financeiro.

No entanto, jamais houve consenso entre os países sócios do Banco do Sul
em relação ao papel da nova instituição. Dessa forma, os debates foram
marcados por disputas entre aqueles que apostam na idéia de ruptura com
relação ao sistema financeiro internacional e aqueles que acreditam no
respeito às regras impostas pela ditadura das finanças globalizadas e
que, portanto, vêem na instituição multilateral regional apenas uma nova
fonte de recursos para antigos projetos. Após meses de negociação, os
presidentes da Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai, Uruguai e
Venezuela assinaram a ata de fundação do Banco do Sul, no que foi o
último ato oficial do argentino Nestor Kirchner como presidente de seu
país. No documento, além do prazo de 60 dias para a elaboração do
convênio constitutivo do banco, os governantes acertaram que a nova
instituição seria um banco de desenvolvimento, orientado para o
financiamento de setores estratégicos para a economia regional; para o
desenvolvimento cientifico e tecnológico; e para projetos de redução da
pobreza. O documento prevê ainda a criação de um fundo de emergência
para catástrofes.

Apesar da aparente convergência, o silêncio que caracterizou os 60 dias
que se passaram após a assinatura da ata voltou a projetar uma névoa de
incerteza sobre o futuro do Banco do Sul. Os focos de conflito estão
associados a questões que dizem respeito à composição do capital e ao
sistema de tomada de decisões da nova instituição, que por sua vez são
determinantes para a decisão dos objetos de financiamento do banco,
talvez o principal motivo de discórdia entre os sócios.

Sobre a composição do capital, as principais disputas dizem respeito à
origem dos fundos e aos aportes por país - se serão iguais ou
proporcionais ao tamanho de cada economia. No que tange à primeira
discussão, há uma disputa entre os sócios sobre a possibilidade de
restrição ou não em relação à formação do capital do banco, ou seja,
discute-se se os fundos serão formados apenas a partir de recursos
públicos de cada país membro ou se poderão, inclusive, ser captados nos
mercados de capitais. No caso da primeira hipótese, fundos originados em
recursos públicos - por exemplo, a partir do retorno de parte das
reservas internacionais à esfera produtiva - significariam uma maior
autonomia para o Banco do Sul em relação às imposições do mercado
financeiro. Por outro lado, a captação neste mercado, obrigaria a
instituição a obedecer aos mesmos critérios de eficiência estritamente
econômicos e às mesmas condicionalidades que as impostas pelas IFM.
Interessa notar que o texto da ata de fundação do banco já prevê a
possibilidade de captação nos mercados ao afirmar que o Banco do Sul
realizará suas funções “fazendo uso da poupança intra e extra regional”.
Entre os defensores dessas diretrizes supostamente técnicas e não
políticas encontram-se Brasil e Argentina, que ao assumirem tal posição
desprezam a noção de que o tecnicismo do liberalismo econômico em si é
carregado de ideologia e que a influência das IFM historicamente
defendeu os interesses políticos e econômicos dos países do norte.

Já a questão do volume dos aportes por país ao fundo do Banco do Sul,
está relacionada com uma das principais razões para a criação da
instituição, que é financiar a integração entre os países da região
promovendo a redução das assimetrias entre os mesmos. Nessa perspectiva,
era de se esperar que as maiores economias realizassem os maiores
aportes ao capital do banco, sem no entanto, reivindicar mais poder no
sistema de tomada de decisões. Para que se crie um estímulo capaz de
desencadear um processo de redução das disparidades de poder e, por
conseqüência, das assimetrias econômicas, o sistema decisório do Banco
do Sul deveria obedecer ao critério de um voto por país e jamais o de um
voto por dólar aportado. Esse impasse separa, obviamente, os países com
economias maiores de um lado e os que possuem economias menores de
outro, o que configura o segundo foco das disputas. Diante disso,
surgiram propostas para que todos os países realizassem aportes iguais,
o que obviamente não representa um esforço equivalente a condição de
cada um e em nada contribuiria para a redução das assimetrias.

Tanto a discussão sobre a composição do capital do Banco do Sul - a
partir de fundos públicos de cada país ou no mercado de capitais -
quanto a discussão sobre o seu sistema de tomada de decisões - 1 voto
por dólar aportado ou 1 voto por país - são decisivas para a
determinação dos objetos do financiamento do banco. A ata de fundação
prevê o “financiamento de setores estratégicos”, e nesse sentido, a
correlação de forças da nova instituição será a resultante que irá
determinar a resposta para a seguinte pergunta: estratégicos para quem?

Teremos um Banco do Sul orientado apenas por critérios de eficiência
econômica e com um sistema de tomada de decisões que reproduza as
relações de poder hoje existentes? Neste caso, o novo banco financiará
grandes projetos de infra-estrutura que geram enormes impactos
sócio-ambientais e atendem às necessidades de expansão dos principais
grupos econômicos em disputa na região ou se privilegiará o
financiamento de projetos solidários, focados na redução das assimetrias
das condições de vida entre os diferentes países da América do Sul, a
partir da construção de uma instancia decisória equânime, transparente,
e que contemple a existência de mecanismos de participação dos
movimentos sociais?

O esvaziamento do debate sobre a criação do Banco do Sul beneficia a
posição daqueles que teriam “mais a perder” com a criação da nova
instituição. Nesse sentido, o Brasil seria um dos maiores interessados e
privilegiados pelo silêncio nas negociações. Inicialmente, o governo
brasileiro chegou a dar declarações de que não participaria da fundação
do Banco do Sul, com a desculpa de que a idéia não havia sido
suficientemente debatida e que, em contrapartida, aumentaria sua
participação na CAF - Corporação Andina de Fomento. Na verdade, àquela
altura, as autoridades do país não apostavam que a idéia inicialmente
impulsionada por Argentina e Venezuela vingaria. Além disso, o país já
conta com os recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES), que só em 2006 desembolsou R$52,3 bilhões, inclusive
para empresas brasileiras que atuam no exterior. No entanto, com o
avanço das negociações, o governo brasileiro decidiu participar do
projeto, com a ressalva de que o banco deveria seguir diretrizes
técnicas e não políticas.

Desde uma perspectiva internacional, o silêncio e a paralisação do
processo beneficiam àqueles que argumentam que o projeto do Banco do Sul
é tão somente uma idéia do presidente venezuelano Hugo Chavez, sem maior
consenso ou possibilidades de realização. Neste marco se enquadram as
posturas de Chile, Peru e Colômbia (embora este último já tenha
manifestado a intenção de se unir à iniciativa). Entre os atores
extra-regionais, em última instancia, o adiamento do início das
atividades do banco favorece a posição das instituições financeiras
tradicionais.

É preciso resistir a essas iniciativas de enquadramento do Banco do Sul
nos moldes de um banco tradicional como as IFM, pois, aquilo que talvez
fuja ao controle, num ponto de vista técnico científico, talvez seja
coerente do ponto de vista da racionalidade dos processos de resistência
em marcha na região atualmente. Diante disso, e diante do importante
papel que poderá vir a ser desempenhado pelo Banco do Sul na promoção da
integração solidária entre os países da América do Sul, com redução das
assimetrias das condições de vida nestes diferentes países, a sociedade
precisa pressionar os governos da região para que os mesmos adotem
posturas transparentes que permitam o controle social sobre as negociações.


[*] <#_ftnref1> Economista do Instituto PACS e membro da Rede Brasil
sobre Instituições Financeiras Multilaterais e Rede Jubileu Sul.


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